"Reforma da Floresta", opiniões e contributos – José Martino

Na atualidade vale a pena revisitar o artigo que escrevi e que o Agroportal publicou em 29 de janeiro de 2017:
Reforma da Floresta, opiniões e contributos – José Martino
O conselho de ministros aprovou um pacote de medidas que denominou “Reforma das Florestas” o qual, se encontra em discussão pública até ao final do presente mês e neste sentido, querendo contribuir para a qualidade do debate público, irei apresentar no presente artigo as minhas ideias e propostas sobre o tema.
Uma grande parte das florestas de Portugal encontra-se abandonada e sobretudo, sem a devida realização de intervenções florestais que levem a produções lenhosas de alta qualidade, ao controlo da massa combustível, sendo historicamente um ativo que se desenvolveu sobre a orientação e liderança do Estado, sendo comummente aceite na sociedade portuguesa atual, o seguinte princípio: “só há lugar à realização de operações de manutenção da floresta se os seus custos forem suportados por fundos financeiros públicos e até mesmo o investimento florestal sofre do mesmo síndroma e preconceito”.
À medida que o tempo passa assiste-se a uma conjugação de fatores externos e internos, que levam ao incremento do risco da atividade florestal para perto do insuportável, ao declino da atividade produtiva, seja por pragas, seja pelos incêndios florestais, seja pela ausência de escoamento e valorização do material lenhoso, seja por se terem tornado obsoletos os sistemas de exploração pecuária silvo pastoril assentes na mão de obra barata e disponível, etc. o que acarreta a diminuição e mesmo nalguns casos o desaparecimento da rentabilidade económica em determinadas fileiras florestais. Juntam-se ainda os problemas colocados pela floresta de prestação de serviços públicos, a qual não possuindo produtos que possam ser valorizados financeiramente no mercado, não tem um mecanismo direto e eficaz de pagamento financeiro proporcional a cada tipo de serviço que presta à sociedade, seja a manutenção da paisagem, a preservação da biodiversidade da flora e da fauna, a existência da água de qualidade, etc. pois os fundos públicos destinados a este fim são escassos e mal distribuídos. Em conclusão, o proprietário florestal sente que não deve investir porque o risco é elevado e não vê casos alternativos de sucesso nas produções florestais de pequenos ou médios produtores fora deste paradigma, exemplos estes que o estimulem a investir e cuidar.
Dentro deste contexto e no seguimento dos fortes incêndios florestais do verão passado, o governo lançou à discussão pública a legislação, para as seguintes áreas, sobre as quais apresento a minha análise e opinião:
1.     Alteração ao Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios
As intervenções políticas elencadas nas medidas legislativas apresentadas parametrizam o combate aos fogos, consolidando o edifício legislativo para clarificar quem faz o quê, ou seja, quem os deve combater, realizar ações de rescaldo e vigilância pós-incêndio, quem deve intervir na prevenção estrutural e infraestruturação da defesa da floresta contra incêndios, quem tem poderes para ações de vigilância, deteção e fiscalização dos responsáveis pelas ignições. Nesta legislação parece indicar uma certa transferência de responsabilidades e funções para as Câmara Municipais, tendo eu a expetativa que tal facto venha acompanhado pelos respetivos fundos financeiros por forma a tornar toda esta temática mais eficiente e eficaz.
2.     Cria o banco nacional de terras para utilização agrícola, florestal ou silvopastoril e o Fundo de Mobilização de Terras
A legislação do banco de terras e respetivo fundo financeiro incluindo a bolsa de terras já existente, creio que é um excelente instrumento para colocar a gestão das terras em quem interesse em explorá-las de forma adequada. Parece-me que deveria haver maior preocupação e rigor nos serviços a prestar aos utilizadores do banco e da bolsa de terras, bem como neste último caso aos proprietários que lá colocam os seus prédios de forma voluntária. Neste sentido, o valor a cobrar pelos serviços parece-me muito limitado para o fazer em cada um dos concelhos do território de Portugal, deveria ser pelo menos o dobro do previsto, junto com reforço de orçamento pela transferência anual de verbas do Orçamento do Estado. É um preconceito político ideológico inqualificável, incompreensível, impedir que as empresas que possuam portefólio, técnicos e equipamentos adequados para a função, não possam ser “entidades operacionais” na bolsa de terras.
3.     Autoriza o Governo a criar no âmbito da reforma florestal, um conjunto de incentivos fiscais e emolumentares alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado
Na minha opinião, é uma excelente medida a proposta de criação de benefícios fiscais seja para resultados de pessoas, singulares ou coletivas, decorrentes da rentabilidade da exploração florestal, bem como a majoração dos custos suportados com despesas com operações de defesa da floresta contra incêndios, ou com a elaboração de planos de gestão florestal (o valor deveria ser 200% em lugar dos 130% propostos para tornar os resultados deste negócio mais atrativos, face ao risco e ao longo prazo das operações).
4.     Cria um sistema de informação cadastral simplificada
O cadastro simplificado deveria ter por base um sistema informático já existente e utilizado por quem gere floresta, aprofundando o seu rigor, os dados relativos ao máximo número possível de detentores das parcelas, resultando da obrigação dos proprietários em realizá-lo ao longo de três anos, a título gratuito e sem sanções, as autarquias locais e outras entidades públicas com competência de natureza territorial poderão ajudar no levantamento e comunicação de informação cadastral simplificada que lhes seja pedida por quem tenha dificuldades económicas e sociais comprovadas formalmente, criando para todos os outros proprietários um sistema de crédito fiscal para ajudar a cobrir os custos com os levantamentos e tratamento digital, degressivo no tempo, começando em 70%, seguindo-se 50% e terminado em 30%, percentagens a incidirem sobre o valor de custo do levantamento, otimizado definido previamente, que permitisse definir a localização geográfica dos prédios rústicos junto desse sistema, respetivamente, se o contribuinte/proprietário apresentasse o levantamento no 1.º ano, 2.º ano ou 3.º ano.
Para mim o cadastro é uma ferramenta cara para se tornar efetivo como instrumento de melhoria da gestão florestal, necessita cobrir perto dos 100% dos prédios florestais, muitos deles com valor patrimonial muito inferior ao custo do serviço de levantamento, porque em alternativa, pode ser mais rápido e eficaz o Estado consignar na lei a aquisição do direito de fazer a gestão florestal da propriedade cujo proprietário não é conhecido nessa altura, repercutindo-lhe no futuro os respetivos custos quando este vier mais tarde a reclamar formalmente o seu direito de assumir a responsabilidade pela sua exploração florestal ou, depositando em conta bancária o valor sobrante do obtido pela venda do material lenhoso nos abates de limpeza e do final do ciclo deduzido do valor do investimento e da manutenção, para o caso de alguém o vir a reclamar o valor dentro do prazo de 25 anos.
5.     Alteração ao regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização
Há uma clarificação, simplificação dos processos, pareceres com prazos definidos e sem custos para os interessados. Penso que a legislação deveria ir mais longe e obrigar, no caso de deferimento tácito, as Entidades Públicas a emitirem a documentação no prazo de dez dias úteis após a receção do pedido para o efeito por parte do interessado. Nesta proposta de legislação parece querer-se de forma encapotada controlar a superfície de plantação do eucalyptus, s.p. Na perspetiva do interesse público defendo que deveriam ser definidas em legislação própria, as áreas com aptidão para a cultura, dando o direito temporal máximo de 12 anos para os casos onde está implantado em parcelas sem aptidão e será fixada nesta legislação a superfície máxima potencial da cultura em Portugal.
6.     Alteração ao regime de criação das zonas de intervenção florestal
A presente proposta de alteração legislativa sobre as zonas de intervenção florestal (ZIF) visa conseguir o seu lançamento no terreno com menor superfície de intervenção e número proprietários, com a integração formal como Entidade Gestora da ZIF além da associação de proprietários, outra pessoa coletiva com competência na silvicultura e afins (entidade aprovada pelos proprietários) e os municípios, e com a constituição de um fundo comum destinado a financiar ações geradoras de benefícios comuns e de apoio aos proprietários e outros produtores florestais aderentes. Seria desejável que a lei explicitasse o valor mínimo de constituição e reforço do fundo, assim como as suas regras básica de funcionamento.
Parece-me que a lei deveria consignar para as ZIF limite geográfico das CIM em lugar dos concelhos.
Defendo que paralelamente, em regime experimental, se deveria avançar com ZIF em modelo diferente, no caso de pelo menos 50% do número ou da área dos proprietários votasse a integração em gestão florestal conjunta numa sociedade de gestão florestal, simultaneamente, levaria à obrigatoriedade de todos os outros a cederem à exploração à entidade gestora, empresa constituída para esse fim onde pelo menos mais de 50% do capital seja detido pelos proprietários e podendo integrar autarquias e/ou investidores. Neste modelo seria definida uma dimensão mínima de economia de escala, provavelmente ao nível da dimensão de metade da superfície de um concelho, proceder-se-ia à avaliação dos ativos florestais de cada propriedade/proprietário, sendo o respetivo valor transformado na quota de capital deste na empresa que gere superiormente a gestão da ZIF (fará a gestão operacional se tiver meios humanos e materiais ou adjudicará a terceiros a prestação de serviços) participações estas que podem ser transmitidas para familiares ou dentro de regras previamente definidas transacionadas com terceiros. Por outro lado, cada propriedade terá uma avaliação de potencial produtivo cultural de valor máximo, servindo para que no futuro o seu proprietário venha a ser remunerado por esse índice cultural, retirado do valor das restantes áreas em produção, no caso do terreno em causa, nessa altura, não ter essa ocupação cultural devido, por exemplo, conter uma infraestrutura de combate a incêndios, caminhos, folhosas de crescimento lento necessárias ordenamento e contenção de incêndios, etc.
O sucesso das sociedades de gestão florestal (SGF) vai ficar muito dependente do regime de incentivos que vier a ser fixado posteriormente, sobretudo dos montantes totais disponíveis e da respetiva persistência no tempo. Seria desejável que a respetiva proposta de incentivos estivesse junta nesta consulta pública para a respetiva avaliação de mérito.
Parece-me um péssimo princípio que o legislador seja muito rigoroso a fixar prazos, um deles muito apertado, para os deveres de informação da SGF (artigo 10.º) e tenha deixado sem qualquer indicação sobre o prazo temporal de pronunciamento do ICNF I.P. sobre o pedido de reconhecimento que lhe seja apresentado (artigo 7.º) e mais importante tenha remetido para Portaria, sem colocar à discussão pública de forma simultânea, o procedimento relativo ao reconhecimento como SGF, assim como os critérios de avaliação do plano de negócios. Por outro lado estranha-se que a proposta de legislação seja omissa sobre a previsão das formas de avaliação do plano de negócios ao longo dos anos (em cada um deles). Por outro lado, é desejável que esta legislação defina o tratamento de desvios entre o previsto no plano de negócio e os resultados obtidos, fixe as sanções para as diferenças significativas decorrentes de incúria, desleixo e ausência de gestão florestal.
Qual será o reforço orçamental e de pessoal técnico e administrativo que o ICNF I.P. terá de suportar para implementar a plataforma e geri-la de forma eficaz, dar resposta atempada a todos os atos processuais fixados neste decreto-lei relativos ao reconhecimento das SGF, sua manutenção e acompanhamento das comunicações?
A proposta de programa nacional de fogo controlado parece muito limitada nos seus objetivos de superfície para os matos e floresta a submeter a esta técnica de controlo de combustível para os próximos 5 anos.
Parece-me que que os estudos efetuados devem indicar as parcelas a submeter a fogo controlado, pelo que deve haver suporte legal que autorize a utilização desta técnica sempre que o ICNF I.P. entidade pública responsável pela prevenção dos fogos dê parecer favorável. Por outro lado, deve estar aberta a porta que permita aos proprietários serem autorizados a realizar fogo controlado por sua decisão desde que garantam o cumprimento das condições necessárias para o efeito e suportem os respetivos custos. Nestes casos, deverá haver uma apólice de seguro que garantam os eventuais prejuízos decorrentes do fogo atingir parcelas de vizinhos que não querem recorrer a este instrumento.
A proposta de legislação sofre de falta de clarificação no que diz respeito à localização das centrais de biomassa florestal residual, à localização dos pontos de receção de potência a injetar na rede, aos termos de aquisição pelo comercializador de último recurso da eletricidade produzida e o regime remuneratório a aplicar. Na minha opinião, todos os itens não definidos no presente decreto-lei, remetidos para publicação posterior por portaria ou, da alçada de outros agentes da administração pública, deveriam estar indicados em anexos à proposta de legislação, tendo como objetivo, dar aos cidadãos a total perceção sobre o alcance e eficácia desta proposta. Pois, mais ainda, deve ser feita uma reflexão profunda sobre as causas que deixaram por preencher as quotas de cerca de 50% do total das que foram colocadas a concurso público para privados, em 2006, visando a construção e exploração de centrais dedicadas a biomassa florestal residual abrangendo uma potência total de injeção na rede de 100 MW.
Questões que se levantam dentro desta temática: que tipo de resíduos florestais devem ser a matéria-prima principal destas centrais: material lenhoso produzido para este fim ou material lenhoso proveniente da gestão florestal? Ambas as alternativas são económicas? A matéria-prima florestal à saída da parcela deve ser remunerada ou não? Se sim, quais os valores a pagar ao proprietário, explorador e transportador, que o torne o processo sustentável no tempo? Há modelos técnicos económicos sustentáveis que indiquem rentabilidade na valorização do recurso e no circuito extração – entrega, ao mesmo tempo que suporta a central de biomassa com o mesmo desiderato económico? A existência de respostas claras, positivas, junto com a elaboração dos modelos e sua divulgação pública, é uma estratégia que representa mais de meio caminho andado para o sucesso das centrais de biomassa. O oposto trará mais um revés, apesar do empenhamento do governo, os resultados não irão aparecer porque não haverá o mínimo de racionalidade técnico económica que suporte o projeto, portanto, neste caso, uma vez mais a montanha irá parir um rato
A proposta de legislação deveria ter em anexo as normas técnicas de elaboração dos PGF, regulamento do conselho diretivo do ICNF I. P.
O ICNF, I.P. tem meios humanos e financeiros para responder atempadamente a todas estas solicitações decorrentes destes regimes jurídicos (junto com todas as outras das novas propostas anteriores)? Estão quantificados os respetivos valores? É possível contratar os recursos humanos necessários? Há orçamento do Estado para o efeito?
Em conclusão, o estado atual de declínio das florestas portuguesas é o resultado do desmantelamento de sistemas culturais e de integração em fileiras que ficaram obsoletas, quer económico, quer logisticamente, devido à evolução da sociedade e da economia ao longo das últimas década, sendo a presente Reforma Florestal um primeiro contributo para a abordagem de soluções através de instrumentos modernos e ajustados para valorizar e preservar os recursos florestais. O sucesso da Reforma Florestal fica dependente da alocação de meios humanos e financeiros para gerir, acompanhar e melhorar os diversos instrumentos legislativos que a constituem, sem esquecer o papel regulador do Estado na garantia do equilíbrio da distribuição do valor na cadeia florestal, sobretudo para o produtor, porque sem fluxo e rentabilidade financeira mínima não é possível garantir a sustentabilidade nas Florestas de Portugal



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