O que é feito da bolsa de terras?

O jornal Público na sua edição da passada 3.ª feira publicou o seguinte:
 
 
O que é feito da bolsa de terras?

José Martino


engenheiro agrónomo, consultor e empresário agrícola


Se calhar já ninguém se lembra, mas no auge do foco mediático sobre a agricultura – qual jangada de pedra para salvar a economia portuguesa da tormenta -, o Governo de Passos Coelho fez aprovar a Lei nº 62/2012, de 10 de dezembro.
Essa lei “cria a bolsa nacional de terras para utilização agrícola, florestal ou silvopastoril, designada por «Bolsa de terras»”, conforme se lê no título do diploma publicado no Diário da República.
Chegava a bom termo, pensava eu, um longo caminho, em que me tornei também protagonista, por defender a criação de um banco de terras público, através de uma petição pública que coloquei na Internet.
A petição foi lançada em 2010, um pouco antes o Bloco de Esquerda, de que estou muito afastado politicamente, tinha apresentado na Assembleia da República uma proposta de lei para a criação de um instrumento de gestão agrícola desta natureza. O Governo Sócrates ignorou esta proposta.
Cinco meses depois desta lei ter entrado em vigor, a ministra Assunção Cristas anuncia, com pompa e circunstância, o lançamento da bolsa de terras”, durante uma conferência intitulada “O uso da terra e o combate à desertificação”, e onde lançou também um apelo a “todos os privados, proprietários de terras, que não podem trabalhar essas terras, que confiem no sistema da Bolsa de Terras”.
O próprio site do Ministério da Agricultura tem em grande destaque a citação de uma frase de Assunção Crista, em que a ministra defende que “ter terra abandonada é um luxo a que o País não se pode prestar”.
O problema é que, nove meses passados sobre a publicação da lei, nada se sabe sobre o que se passa com a bolsa de terras. Ou melhor, sabe-se pouco. Sabe-se de uma ou outra iniciativa municipal, como a de Sever do Vouga, bem sucedida. Mas é pouco, muito pouco.
Faz falta fazer um balanço sobre a eficácia da lei 62/2012. E esse balanço só pode ser feito pela própria ministra Assunção Cristas, que, talvez por motivos pessoais, anda um pouco afastada da coisa pública.
Nunca morri de amores pela designação “bolsa de terras”. Sempre preferi chamar-lhe “banco de terras”. Não se trata de um mero pormenor semântico. A bolsa de terras é um instrumento burocrático para colocar terras sem cultivo ao serviço dos interessados em arrendá-las e dar-lhes uma utilidade económica e social; o banco de terras, impõe que o Estado seja uma espécie de "fiador" face a um eventual incumprimento do arrendatário no pagamento das rendas, cabendo-lhe garantir esse pagamento ao proprietário - como acontece com o Bantegal, o banco de terras dinamizado pela Junta Autónoma da Galiza.
Ao longo destes últimos quase 4 anos defendi mais. Defendi a criação de uma linha de crédito “tipo crédito à habitação”, na Caixa Geral de Depósitos, para apoiar os jovens que quiserem adquirir ou arrendar as terras disponíveis nessa bolsa, com um prazo de vigência de 20 a 40 anos.
Este crédito podia ser utilizado na compra de terra, pagamentos a co-herdeiros e como quota-parte de capital próprio nos investimentos de jovens agricultores que recorram à bolsa de terras para se instalarem, bem como a pequenos e médios agricultores.
Mas mais: as empresas privadas deviam poder servir de interface entre o “banco de terras público” e os jovens agricultores. Esta “ponte” permitiria apostar num melhor acompanhamento e apoio técnico, tornando mais eficaz conciliar oferta e procura.
Aguardo, por isso, que o Ministério da Agricultura, pela voz da ministra Assunção Cristas, possa vir a tornar público esse balanço, o mais breve possível. E, a talhe de foice, lanço ainda mais alguns desafios:
- que o Ministério da Agricultura comece a tramitar os processos dentro dos prazos legais;
- que sejam majorados os apoios para investimentos nas regiões do Interior;
- que se promovam projetos integrados, de fileira, com contrato-programa para desenvolver as regiões mais deprimidas;
- que se desenvolva o sector cooperativo e se modernize a legislação do sector associativo;
- que se melhore a formação profissional.
Só assim a agricultura portuguesa pode ambicionar um novo modelo de desenvolvimento.

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