Peça Jornalística - Jornal Público 2020.06.23 - Floresta

INCÊNDIOS FLORESTAIS

“A floresta merecia outro olhar estratégico no Plano de Estabilização Económica”

O Plano de Estabilização Económica e Social (PEES) apresentado pelo Governo prevê alguns apoios para a floresta, mas passa de raspão ao lado deste sector. José Martino, engenheiro agrónomo e consultor em territórios de baixa densidade, lamenta que não se vá mais longe. “A floresta sem dúvida que merecia um outro olhar estratégico”.

Teresa Silveira 

23 de Junho de 2020, 18:20

Dias depois de o Governo ter aprovado em Conselho de Ministros, a 21 de Maio, um conjunto de diplomas na área da Floresta que, diz, estava a preparar “há largos meses”, a crise económica gerada pela pandemia do novo coronavírus obrigou à definição de um Plano de Estabilização Económica e Social para Portugal (PEES). Foi publicado em Diário da República a 6 de Junho. Nas suas 113 páginas, contempla não mais do que uns breves parágrafos dedicados à Floresta. 

O documento inclui três tipos de medidas para o sector. Uma, é a criação de Faixas de Interrupção de Combustíveis Realização (FIC), que visam o estabelecimento, em locais estratégicos, de condições favoráveis à supressão de incêndios rurais. Estão previstas “verbas no montante necessário à execução e manutenção desta rede estruturante” de modo a “atingir o objetivo de 2.500 hectares/ano”.

O PEES também prevê “apoiar outras acções de prevenção estrutural, como a criação de mosaicos de gestão de combustível, a gestão de combustível com recurso ao pastoreio e acções de fogo controlado”. E diz que é considerado “importante” assegurar a “protecção dos aglomerados populacionais considerados prioritários ao nível do risco”.

No que respeita à reabilitação de leitos e margens de ribeiras (RLMR), o PEES quer “multiplicar por cinco o trabalho realizado após os incêndios de 2017, que permitiu intervir, com soluções de engenharia de base natural, na recuperação de quase mil quilómetros de galerias ripícolas em 57 municípios”.

Quer dizer que será feita a recuperação de cinco mil quilómetros de galerias ripícolas, “numa perspectiva simultânea de funcionalidade estrutural e ecológica”. Isso passa pela “reconstituição da vegetação nas margens, a garantia do escoamento das linhas de água, a minimização da erosão e do arrastamento de solo e a redução do efeito das cheias e inundações”, lê-se no PEES.

O Plano contempla ainda a “concessão de apoios financeiros aos municípios ou às entidades intermunicipais que não disponham de cadastro geométrico da propriedade rústica ou cadastro predial”.

A verba, orçada em 20 milhões de euros (10 milhões para a região Centro e 10 milhões para a região Norte), destina-se sobretudo a duas finalidades: “criação de balcões de atendimento aos cidadãos para que estes identifiquem, através do sistema de informação cadastral simplificado e do procedimento de representação gráfica georreferenciada (RGG), os seus prédios”; “partilha de informação com as entidades da Administração central, nas despesas relacionadas com consultoria, equipamento informático, software, divulgação, pessoal, etc”.

“É do superior interesse público controlar a massa combustível nas florestas”

As últimas “Contas Económicas da Silvicultura”, referentes ao ano de 2017 e que foram publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 27 de Junho de 2019, fazem questão de vincar que 2017 foi marcado por “um conjunto de incêndios de grande dimensão”.

Fruto disso, de 2016 para 2017, a superfície florestal ardida aumentou de cerca de 168 mil hectares para 502 mil, respectivamente, tendo a produção da silvicultura aumentado 1,6% em valor e decrescido 0,5% em volume. Por sua vez, o valor acrescentado bruto (VAB) do sector decresceu 2,3% em volume e 1,0% em valor. Um decréscimo que ocorreu “após um período de crescimento entre 2009 e 2015 (crescimentos médios de 5,3% em valor e de 3,9% em volume)”, refere o INE.

O PÚBLICO questionou o engenheiro agrónomo e consultor em territórios de baixa densidade, José Martino, sobre o peso da Floresta no PEES apresentado pelo Governo. O especialista, que trabalha sobretudo dos domínios da agricultura e florestas, fez contas e diz que “o orçamento é conjunto e tem o montante 40 milhões de euros para 2020 e 2021, com financiamento através do reforço do Fundo Ambiental”. Mas, além das medidas para a Floresta acima referidas, “contempla intervenções de eficiência hídrica (Algarve), Metropolitano de Lisboa, Metro do Porto, Transtejo e Soflusa, MOBI.E, Redes cicláveis e Programa de apoio a edifícios mais sustentáveis”.

Depois, diz o engenheiro agrónomo, “se analisarmos o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR), verificamos que este prevê que a despesa efectiva é de 586 milhões de euros em 2020 e 556 milhões em 2021”. E estipula “para cada um destes anos 20% da despesa para a orientação estratégia ‘valorizar os espaços rurais’ e 19% da despesa para a orientação estratégica ‘cuidar dos espaços rurais’”.

Isso traduz-se, segundo este especialista, “na meta de 1 200 000 hectares em 10 anos na área de Floresta e Matos com gestão de combustível, ou seja, 120 000 hectares por ano, começando em 2020”.

A grande questão, segundo José Martino é que, “se cruzarmos os números de ambos os planos [PEES e PNGIFR], há uma de duas conclusões alternativas que se podem tirar: o PNGIFR está a ser cumprido de forma rigorosa e a meta colocada para FIC é adicional, assim como o previsto nas ‘Outras Acções para a Floresta’; ou, pelo contrário, não há orçamento disponível para 2020 e 2021 e a meta definida no  PNGIFR de gestão de combustível de 120 000 hectares por ano não é para cumprir neste período temporal de transição de pacote de ajudas financeiras da União Europeia”.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se a floresta merecia um outro olhar estratégico e outro apoio por parte do PEES, Martino não hesita: “A floresta sem dúvida que merecia outro olhar estratégico, porque é do superior interesse público controlar a massa combustível nas florestas de Portugal”. Desde logo porque “não há floresta em Portugal, mas sim, florestas: a floresta de produção (eucalipto, pinheiro, sobreiro e azinheira) e a floresta de conservação e do ecossistema que presta serviços públicos”.

Por outro lado, “há florestas com as suas diferenças” do Norte Litoral de influência atlântica, Norte Montanhoso, Centro Litoral, Centro Interior, Alentejo e Algarve. E “só com o controlo das superfícies ardidas pelos fogos rurais (menos de 600 000 hectares em 10 anos) se consegue atingir a meta de imobilização de carbono”. E tem ainda outro argumento: “as florestas de Portugal são dos poucos recursos endógenos que criam riqueza e valor acrescentado sem trazerem previamente subida das importações”.

José Martino faz notar que “as florestas ardem por todo o mundo devido às alterações climáticas, sobretudo devido às secas e às vagas de calor”. E “não poupam os países desenvolvidos, mesmo os muito organizados e com bons meios de combate”. Assim, para se conseguir limitar a superfície destruída pelos fogos rurais “é preciso controlar a massa combustível”.

Os últimos dados publicados (Dezembro 2019) pelo Eurostat, organismo responsável pelas estatísticas da União Europeia (UE), revelam que, em toda a União Europeia (28), havia em 2016 cerca de 182 milhões hectares de florestas e outras terras arborizadas. As actividades da silvicultura e da exploração florestal geraram na UE 26,5 biliões de euros de valor acrescentado bruto em 2016. Do total da produção de madeira, três quartos destinou-se a abastecer as indústrias madeireiras e um quarto foi para lenha.

Por seu lado, as indústrias à base de madeira geraram 142,7 mil milhões de euros de valor acrescentado bruto no mesmo ano em toda a União Europeia. A produção de pasta de papel representa um terço desse montante. O emprego gerado por esta indústria equivale a 11% do total da indústria.

“PEES devia prever modelos que explicassem os montantes financeiros públicos”

Então, qual é a receita para limitar a superfície destruída pelos fogos rurais e controlar a massa combustível? José Martino é taxativo: “Através do ordenamento da paisagem, respeitando os ecossistemas e a sustentabilidade (colocar cada espécie nos climas e solos mais adequados), distribuindo a floresta em mosaico, com e sem massa combustível valorizada pela instalação de vinha, medronheiro, pastagens, etc., caldeando nas regiões de floresta intensiva áreas com floresta extensiva (menos de 100 árvores por hectare) e garantindo superfícies sem massa combustível”.

 Defende, por isso, que “as faixas de interrupção de combustível devem ter 500 metros de largura e uma malha de 10 por 10 quilómetros, cumprindo a meta de intervenção em 120 000 hectares por ano”, como está previsto pelo Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais.

Mas mais. O consultor é de opinião que o PEES “devia ter metas mais ambiciosas para controlo de massa combustível nas florestas de Portugal”. Assim como “um orçamento específico, porque estamos num ano de forte crescimento vegetativo devido à elevada precipitação primaveril e, apesar de ter diminuído o número de ignições e área ardida, o risco de fogos rurais de grandes dimensões durante o verão é muito elevado e gera muito trabalho ao longo de todo o território nacional”.

Por fim, “o Plano devia prever a construção de modelos que explicassem quais os montantes financeiros públicos a colocar em cada um dos sistemas de gestão florestal das diversas florestas de Portugal, para equilibrar as contas de cultura em lugar do investimento que prevê para o cadastro simplificado”.

É que, diz Martino, “há uma maioria de proprietários que não vão investir na floresta ou suportar custos anuais de gestão florestal, devido ao resultado não ser economicamente sustentável mesmo a muito longo prazo, 30 a 50 anos”. O engenheiro agrónomo está convicto de que, “mesmo que em tese todos os proprietários florestais estivessem identificados, os resultados de gestão seriam pouco melhores que os actuais, porque mesmo sem ter números concretos é percebido pelo seu proprietário que o resultado não é financeiramente interessante”.

É do superior interesse público controlar a massa combustível nas florestas”

As últimas “Contas Económicas da Silvicultura”, referentes ao ano de 2017 e que foram publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 27 de Junho de 2019, fazem questão de vincar que 2017 foi marcado por “um conjunto de incêndios de grande dimensão”.

Fruto disso, de 2016 para 2017, a superfície florestal ardida aumentou de cerca de 168 mil hectares para 502 mil, respectivamente, tendo a produção da silvicultura aumentado 1,6% em valor e decrescido 0,5% em volume. Por sua vez, o valor acrescentado bruto (VAB) do sector decresceu 2,3% em volume e 1,0% em valor. Um decréscimo que ocorreu “após um período de crescimento entre 2009 e 2015 (crescimentos médios de 5,3% em valor e de 3,9% em volume)”, refere o INE.

O PÚBLICO questionou o engenheiro agrónomo e consultor em territórios de baixa densidade, José Martino, sobre o peso da Floresta no PEES apresentado pelo Governo. O especialista, que trabalha sobretudo dos domínios da agricultura e florestas, fez contas e diz que “o orçamento é conjunto e tem o montante 40 milhões de euros para 2020 e 2021, com financiamento através do reforço do Fundo Ambiental”. Mas, além das medidas para a Floresta acima referidas, “contempla intervenções de eficiência hídrica (Algarve), Metropolitano de Lisboa, Metro do Porto, Transtejo e Soflusa, MOBI.E, Redes cicláveis e Programa de apoio a edifícios mais sustentáveis”.

Depois, diz o engenheiro agrónomo, “se analisarmos o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR), verificamos que este prevê que a despesa efectiva é de 586 milhões de euros em 2020 e 556 milhões em 2021”. E estipula “para cada um destes anos 20% da despesa para a orientação estratégia ‘valorizar os espaços rurais’ e 19% da despesa para a orientação estratégica ‘cuidar dos espaços rurais’”.

Isso traduz-se, segundo este especialista, “na meta de 1 200 000 hectares em 10 anos na área de Floresta e Matos com gestão de combustível, ou seja, 120 000 hectares por ano, começando em 2020”.

A grande questão, segundo José Martino é que, “se cruzarmos os números de ambos os planos [PEES e PNGIFR], há uma de duas conclusões alternativas que se podem tirar: o PNGIFR está a ser cumprido de forma rigorosa e a meta colocada para FIC é adicional, assim como o previsto nas ‘Outras Acções para a Floresta’; ou, pelo contrário, não há orçamento disponível para 2020 e 2021 e a meta definida no  PNGIFR de gestão de combustível de 120 000 hectares por ano não é para cumprir neste período temporal de transição de pacote de ajudas financeiras da União Europeia”.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se a floresta merecia um outro olhar estratégico e outro apoio por parte do PEES, Martino não hesita: “A floresta sem dúvida que merecia outro olhar estratégico, porque é do superior interesse público controlar a massa combustível nas florestas de Portugal”. Desde logo porque “não há floresta em Portugal, mas sim, florestas: a floresta de produção (eucalipto, pinheiro, sobreiro e azinheira) e a floresta de conservação e do ecossistema que presta serviços públicos”.

Por outro lado, “há florestas com as suas diferenças” do Norte Litoral de influência atlântica, Norte Montanhoso, Centro Litoral, Centro Interior, Alentejo e Algarve. E “só com o controlo das superfícies ardidas pelos fogos rurais (menos de 600 000 hectares em 10 anos) se consegue atingir a meta de imobilização de carbono”. E tem ainda outro argumento: “as florestas de Portugal são dos poucos recursos endógenos que criam riqueza e valor acrescentado sem trazerem previamente subida das importações”.

José Martino faz notar que “as florestas ardem por todo o mundo devido às alterações climáticas, sobretudo devido às secas e às vagas de calor”. E “não poupam os países desenvolvidos, mesmo os muito organizados e com bons meios de combate”. Assim, para se conseguir limitar a superfície destruída pelos fogos rurais “é preciso controlar a massa combustível”.

Os últimos dados publicados (Dezembro 2019) pelo Eurostat, organismo responsável pelas estatísticas da União Europeia (UE), revelam que, em toda a União Europeia (28), havia em 2016 cerca de 182 milhões hectares de florestas e outras terras arborizadas. As actividades da silvicultura e da exploração florestal geraram na UE 26,5 biliões de euros de valor acrescentado bruto em 2016. Do total da produção de madeira, três quartos destinou-se a abastecer as indústrias madeireiras e um quarto foi para lenha.

Por seu lado, as indústrias à base de madeira geraram 142,7 mil milhões de euros de valor acrescentado bruto no mesmo ano em toda a União Europeia. A produção de pasta de papel representa um terço desse montante. O emprego gerado por esta indústria equivale a 11% do total da indústria.

“PEES devia prever modelos que explicassem os montantes financeiros públicos”

Então, qual é a receita para limitar a superfície destruída pelos fogos rurais e controlar a massa combustível? José Martino é taxativo: “Através do ordenamento da paisagem, respeitando os ecossistemas e a sustentabilidade (colocar cada espécie nos climas e solos mais adequados), distribuindo a floresta em mosaico, com e sem massa combustível valorizada pela instalação de vinha, medronheiro, pastagens, etc., caldeando nas regiões de floresta intensiva áreas com floresta extensiva (menos de 100 árvores por hectare) e garantindo superfícies sem massa combustível”.

 Defende, por isso, que “as faixas de interrupção de combustível devem ter 500 metros de largura e uma malha de 10 por 10 quilómetros, cumprindo a meta de intervenção em 120 000 hectares por ano”, como está previsto pelo Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais.

Mas mais. O consultor é de opinião que o PEES “devia ter metas mais ambiciosas para controlo de massa combustível nas florestas de Portugal”. Assim como “um orçamento específico, porque estamos num ano de forte crescimento vegetativo devido à elevada precipitação primaveril e, apesar de ter diminuído o número de ignições e área ardida, o risco de fogos rurais de grandes dimensões durante o verão é muito elevado e gera muito trabalho ao longo de todo o território nacional”.

Por fim, “o Plano devia prever a construção de modelos que explicassem quais os montantes financeiros públicos a colocar em cada um dos sistemas de gestão florestal das diversas florestas de Portugal, para equilibrar as contas de cultura em lugar do investimento que prevê para o cadastro simplificado”.

É que, diz Martino, “há uma maioria de proprietários que não vão investir na floresta ou suportar custos anuais de gestão florestal, devido ao resultado não ser economicamente sustentável mesmo a muito longo prazo, 30 a 50 anos”. O engenheiro agrónomo está convicto de que, “mesmo que em tese todos os proprietários florestais estivessem identificados, os resultados de gestão seriam pouco melhores que os actuais, porque mesmo sem ter números concretos é percebido pelo seu proprietário que o resultado não é financeiramente interessante”.

 

 


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